30 de abril de 2007

Saudá

De gostos nunca mais provados
De gestos nunca antes feitos
De tentar consertar os defeitos
De escancarar o coração tão cerrado.
Do amigo que há tempos não vejo
De quem hoje em dia não é mais o mesmo
De achar que só eu fosse o culpado.Coitado.
De rir sempre da mesma piada
Do comentário na hora errada
De frases e músicas quase sagradas
ditas e cantadas na quinta passada.

Sinto saudade do que fui, do que foi
De alguém que ainda não conheci
Do lugar que não visitei
Da pessoa que hoje tenho.
De sentir saudade de alguém
Ou de não sentir nada além
de querer bem quem não me quer.
Daquela comida de hotel,
Da viagem atrapalhada
Do compromisso inadiável
De não conhecer tal palavra...

Metade é lembrança que o tempo levou
Que morreu num abraço,numa chuva.
Metade é saber que um dia
O sentimento que não sabia
E hoje dói, e rói, e não acabará.

Metade de mim é saudade
A outra ainda será.

23 de abril de 2007

Reflexões de Barnabé


Barnabé, seu Chico chegou! Trouxe lembranças de dona Sinhá. Fez pão e queijo, não sei se é bom. Sorriu pouco mas está feliz, sente que nada pior há de acontecer. Talvez seja um pressentimento positivo, afinal, quem disse que na roça não existe sinal, sexto sentido? Quiçá até mais dos que possuem televisão e afins.
Eu, um reles mortal, questiono de quê faz o homem. Sofrimento? Comida? Esperança? Inteligência? Átomos. Portanto, a matéria constitui o homem? Bem, só sei que o queijo do seu Chico é feito do leite. O leite da roça que é fruto de uma vida, assim como a mãe dá luz ao político, ao padeiro, ao jornalista e ao poeta.
O que distingue o homem? O leite de sua mãe? Sua fase pré-natal? O gado é a sua raça, que dirá do seu sangue, alma, procedência?
Eu cá, olhando os olhos do seu Chico e vendo quanta loucura e mistério é a vida de um cara que, para o resto da humanidade, é simplesmente um Zé, quer dizer, um Chico ninguém, que mal existe no mapa. Vejo também a dor de um pobre que não põe esperanças sobre seu destino, apenas vive cuidando de sua roça, preparando seus queijos, amando sua sinhá. Olhando mais profundamente, vejo que tem uma mancha perto da íris, e que também tem rugas, e que também é matéria.
Lamento em me informar, mas não chego a conclusões. Por mais que eu tente ser espírito não consigo distanciar do meu lado irônico, mesquinho, crítico, imbecil, supérfluo, atômico.
Alma pobre que eu sou, Barnabé! O espelho nunca salva, eis a tentativa. Contentarei com a casca, a pele da minha existência. Repetirei todas as minhas angústias sabendo que nunca ficarei feliz com os resultados. Continuarei olhando as manchas dos olhos dos outros e reconhecendo que todos somos coitados. Viverei sempre assim, analisando a natureza rústica de quem vive fora do padrão estético da ingrata modernidade. E para esquecer tudo isso(senão me tornarei um alienado) vou para a rua engolir as coisas boas da vida, a praça, os amores, os luais, assim como todo o eu brasileiro, que se resume apenas em água, pão e carnaval.

18 de abril de 2007

Aniversariante do mês


No próximo dia 21, Brasília - minha terra de criação - estará fazendo 47 anos. A cidade está sendo preparada para uma graaaande comemoração!
Vamos comemorar o crescimento desordenado, a violência no entorno, o protesto de classes trabalhadoras de todo o Brasil, os péssimos exemplos mostrados na mídia, a corrupção dos nossos governantes, a impunidade de jovens(ricos) inconsequentes...
Mas para quem mora aqui sabe que Brasília é muito mais que isso.Vivemos coisas que em nenhum lugar do país é possível. A elas,sim,a minha comemoração!
Dentre essas, um brinde às oportunidades oferecidas, à diversidade de pensamentos, culturas e sotaques, ao lazer, à riqueza cultural, às largas ruas(sem ladeiras), ao verde, às cigarras que fazem um terrível barulho na primavera e nos impedem de dormir...Porque em Brasília, durante todo o ano, os motoristas evitam usar buzinas!

Declaração

Mar de Brasília, ondas no céu
Cheiro de flores, gosto de fel
Nuvens com vida e o pôr-do-sol
Lua cheia: laranja ou vermelha?
Vermelho – vidro fechado
Troquinho para o cego do cerrado
Calango ou candango
Seca e água fria
Sol do meio-dia
Chuva às oito e seis da tarde.
Mês nove multicores
Obras? Não se discute
(aqui é centro do poder).
Pardais contam com a má sorte
A da cigarra, seu canto de morte
Árvores que não se mexem
Retornos se prosseguem
Como objetos animados:
Que seria sem um balão ou uma tesoura?
Caos maior seria possível.
Declaração de amor ou ódio?
Isso não entra em questão
O que já comeu não se devolve
Dá o troco pro calango cego
Fecha o vidro, liga o ar
E a missão está cumprida.

11 de abril de 2007


Mensagem cantada por Vander Lee.
A mim,
Ao mundo,

A voz

Saiam luas, desçam rios
Virem páginas dos pensamentos
Lanço estrelas no meu canto
Sobre as camas dos apartamentos
Virem mares todos os sertões
Que choram pedras aqui dentro
Pra esse fogo que queima tão lento:
vento, vento, vento
Aos cantores nos televisores:
flores, flores, flores
Para o povo lá em Bocaiúva:
chuva,chuva,chuva,chuva,chuva
Bate tambor de crioula
Sangra o dedo no tambor
Que as crianças ainda cantam
Numa orquestra de cavacos
E os velhos ainda choram seus bordões
Que palavras sejam gestos
Gestos sejam pensamentos
Da voz que movem nossos corações.

Especial para Marília e Rosana. Força, amigas!

9 de abril de 2007

Fuá em lata

Conheci uma moça que tinha uma enorme coleção de latas - pequenas, médias, grandes. Vez ou outra tentava reorganizá-las em seu humilde espaço reservado a isso.
Dentro dessas latas existiam coisas doces, amargas; guardadas em calda, a vapor, na pressão... No fundo de cada lata havia registrado data de fabricação, e no lugar da validade, variáveis como "efêmero" ou "eterno".
De vez em quando ela tentava desfazer de alguma insignificante ou por demais repugnante, porém todas eram importantes naquela prateleira. Algumas somente na prateleira mesmo.
Os anos passavam e a coleção aumentava mais e mais, para o seu orgulho. Porém, a cada dia ficava mais difícil organizá-la no pequeno espaço. Por vezes, sua vontade era ter a destreza de um arquivologista, que facilmente organizaria por assunto, ordem alfabética ou importância; por outras, gostaria mesmo que passasse um vendaval e derrubasse tudo para começar uma nova coleção.
Passados os eventuais pensamentos(muitos deles também iam para latas), feliz ou triste ela guardava. Todas. A maioria acompanhada por uma trilha sonora . Sem conservantes. Inconsertantes.

Com a modesta intensão de registrar, arquivar, comentar, compartilhar ou até mesmo banalizar as simplicidades do meu dia-a-dia, reservo este espaço a mim, aos amigos e a quem queira participar.
Ainda não sei no que vai dar, mas espero aqui aliviar angústias, viajar nas idéias, metaforizar quase sempre, e principalmente divulgar as coisas que me tocam.
Desde já, peço perdão pelas maltraçadas linhas e possíveis maltratos na língua portuguesa.