27 de agosto de 2008

Não nos custa tentar

A vontade era de se exaltar, não sabia como. As vezes os desejos vão além do que o próprio corpo ou razão alcançam. Quando deixou a caneta sobre o papel, estava certo da troca que fizera. Então, abandonou o abstrato e agarrou a determinação que nunca antes conhecera. E assim foi.
A mochila nas costas era apenas um símbolo daquilo que mais queria naquele momento, a liberdade de escolher o próprio caminho a seguir, com a única certeza de que por pouco que parecesse era feliz. Feliz sim, pois era vivo e agora livre de quaisquer maltratos que sofrera enquanto estava encarcerado no seu terrível hospital.
Durante o caminho, vez ou outra olhava para trás, na dúvida da estrada certa a percorrer. Insegurança daquele pré-aventureiro, botando em prática o que sempre sonhara: a caça infinda do tesouro da experiência, da coragem, da sabedoria – o tesouro do real saber viver.
Respirou fundo. Em passos constantes de bravura e serenidade, olhando tudo e todos ao redor da estrada quase deserta, descobriu que nada vem em vão, e que o homem no seu masoquismo e desonestidade com o próprio destino não se deixa viver, libertando-se do seu sofrimento e culpa.
Aquela grande família de sem-dentes, o gado atropelado pelo trator selvagem, o casebre destruído pela força do vendaval, fez com que pensasse em tudo isso e concluiu que, se parasse por ali mesmo, já teria valido a pena toda aquela caminhada.
Em passos confiantes e leves, ainda que falhos, ia. Num momento de inspiração e sentimento de liberdade, viu que era no próprio corpo que habitavam os males, ao contrário do que pensava, e que só dependia de si mesmo para se dar alta. Ao perceber o peso da mochila nas costas, viu que era a sua cruz naquela caminhada e a liberdade que a acompanhava não era uma condição, mas um lembrete de que tudo tem o seu preço.
Ao fim da estrada, respirou fundo mais uma vez. Com um sorriso singelo estampado de satisfação, voltou para casa certo de que tudo iria melhorar a partir de então, e dizia aos passantes com a doce simpatia que agora resgatara da remota infância: “Não nos custa tentar.”

26 de agosto de 2008

No Fim

2008 – 1000 e BUM !
Disk passagem para o além
Mamãe, perdoa qualquer coisa
Para Deus me fazer anjo
E não o diabo meu acém.

Oh, grande régisseur
Não permita descompasso
Neste lugar sem melodia
Em que o cenário é só de vento
E o grande coro se faz de aço.

Se for mesmo o apocalipse
Que anuncia a lava do vulcão
Juro por mim mortinho
Se isso ainda validar:
Não deixarei minha paixão.

Transformar-me-ei em lindo arcanjo
Com olhos azuis e aquela flecha...
Esquecer-me-ei de tudo que não creio
Que por mais que ame, resisto
Por mais que bate, o coração se fecha.

20 de agosto de 2008

Minha Mãe me Ensinou...

Era uma forma, hoje condenada por educadores e psicólogos, mas que funcionou para grande parte de homens e mulheres que também criaram seus filhos assim e agora assistem, algumas vezes hesitantes, a criação de seus netos de outra forma bastante diferente.

-Minha mãe me ensinou LÓGICA E HIERARQUIA... "PORQUE EU DIGO QUE É ASSIM! PONTO FINAL! QUEM É QUE MANDA AQUI?"
-Minha mãe me ensinou o que é MOTIVAÇÃO... "CONTINUA CHORANDO QUE EU VOU TE DAR UMA RAZÃO VERDADEIRA PARA VC CHORAR!"
-Minha mãe me ensinou a CONTRADIÇÃO... "FECHA A BOCA E COME!"
-Minha Mãe me ensinou sobre ANTECIPAÇÃO... "ESPERA SÓ ATÉ SEU PAI CHEGAR EM CASA!"
-Minha Mãe me ensinou sobre PACIÊNCIA... "CALMA!... QUANDO CHEGARMOS EM CASA VOCÊ VAI VER SÓ...".
-Minha Mãe me ensinou a ENFRENTAR OS DESAFIOS... "OLHE PARA MIM! ME RESPONDA QUANDO EU TE FIZER UMA PERGUNTA!"
-Minha Mãe me ensinou sobre RACIOCÍNIO LÓGICO... "SE VOCÊ CAIR DESSA ÁRVORE VAI QUEBRAR O PESCOÇO E EU VOU TE DAR UMA SURRA!"
-Minha mãe ensinou a VALORIZAR O SORRISO... "SE VOCÊ E SEU IRMÃO QUEREM SE MATAR, VÃO PRA FORA. ACABEI DE LIMPAR A CASA!"
-Minha Mãe me ensinou MEDICINA... "PÁRA DE FICAR VESGO, MENINO! PODE BATER UM VENTO E VOCÊ VAI FICAR ASSIM PARA SEMPRE."
-Minha Mãe me ensinou sobre o REINO ANIMAL... "SE VOCÊ NÃO COMER ESSAS VERDURAS, OS BICHOS DA SUA BARRIGA VÃO COMER VOCÊ!"
-Minha Mãe me ensinou sobre GENÉTICA... "VOCÊ É IGUALZINHO AO SEU PAI!"
-Minha Mãe me ensinou sobre minhas RAÍZES... "TÁ PENSANDO QUE NASCEU DE FAMÍLIA RICA É?"
-Minha Mãe me ensinou sobre a SABEDORIA DA IDADE... "QUANDO VOCÊ TIVER A MINHA IDADE, VOCÊ VAI ENTENDER."
-Minha Mãe me ensinou sobre JUSTIÇA... "UM DIA VOCÊ TERÁ SEUS FILHOS, E EU ESPERO QUE ELES FAÇAM PRÁ VOCÊ O MESMO QUE VOCÊ FAZ PRA MIM! AÍ VOCÊ VAI VER O QUE É BOM!"
-Minha mãe me ensinou RELIGIÃO... "MELHOR REZAR PARA ESSA MANCHA SAIR DO TAPETE!"
-Minha mãe me ensinou o BEIJO DE ESQUIMÓ... "SE RABISCAR DE NOVO, EU ESFREGO SEU NARIZ NA PAREDE!"
-Minha mãe me ensinou CONTORCIONISMO... "OLHA SÓ ESSA ORELHA! QUE NOJO!"
-Minha mãe me ensinou DETERMINAÇÃO... "VAI FICAR AÍ SENTADO ATÉ COMER TODA COMIDA!"
-Minha mãe me ensinou habilidades como VENTRÍLOQUO... "NÃO RESMUNGUE! CALA ESSA BOCA E ME DIGA POR QUE É QUE VOCÊ FEZ ISSO?"
-Minha mãe me ensinou a SER OBJETIVO... "EU TE AJEITO NUMA PANCADA SÓ!"
-Minha mãe me ensinou a ESCUTAR... "SE VOCÊ NÃO ABAIXAR O VOLUME, EU VOU AÍ E QUEBRO ESSE RÁDIO!"
-Minha mãe me ensinou a TER GOSTO PELOS ESTUDOS.. "SE EU FOR AÍ E VOCÊ NÃO TIVER TERMINADO ESSA LIÇÃO, VOCÊ JÁ SABE!..."
-Minha mãe me ajudou na COORDENAÇÃO MOTORA... "JUNTA AGORA ESSES BRINQUEDOS!! PEGA UM POR UM!!"
-Minha mãe me ensinou os NÚMEROS... "VOU CONTAR ATÉ DEZ. SE ESSE VASO NÃO APARECER VOCÊ LEVA UMA SURRA!"

Brigadão Mãe !!!

13 de agosto de 2008

Sobre a Saudade

A palavra Saudade traz em si, diversos significados que podem ser interpretados de acordo com o contexto onde é aplicado. Sua origem encontra-se no Latim, Solitate, e se pesquisada, descobriremos que a conotação contemporânea distanciou-se da original. Saudade não mais se refere ao sentimento de solidão preservado em variações de línguas românicas como o espanhol: soledad e soledat.
Sobre a saudade, podemos encontrar definições como "Sentimento mais ou menos melancólico de ausência, ligado pela memória à situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, ou à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável"; ou "Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa ou coisa distante ou extinta. Pesar pela ausência de alguém que nos é querido". Como sinônimos, encontramos Lembrança e Nostalgia.
Em 30 de janeiro celebra-se o "Dia da Saudade". Na gramática Saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa. Os outros idiomas têm dificuldade em traduzi-la ou atribuir-lhe um significado preciso: Te extraño (castelhano), J'ai regret (francês) e Ich vermisse dish (alemão). No idioma inglês encontramos várias tentativas: homesickness (equivalente a saudade de casa ou do país), longing e to miss (sentir falta de uma pessoa), e nostalgia (nostalgia do passado, da infância).
Mas todas essas expressões estrangeiras não definem o que sentimos. São apenas tentativas de determinar esse sentimento que nós mesmos não sabemos exatamente o que é. Não é só um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas é principalmente uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa.

7 de agosto de 2008

Caçador de mim

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu, caçador de mim

Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim

Caçador de Mim - Milton Nascimento